Durante meus estudos em psicoterapia e também no meu próprio processo de autoconhecimento me deparei com um artigo que me marcou profundamente. Ele trouxe uma pergunta importante: para quem é a psicoterapia, afinal? O trabalho “(Des)construindo a psicoterapia”, da psicóloga Juliana Stávale Cunha (PUC-SP, 2011), nos convida a olhar para a psicoterapia não como um recurso de luxo ou de “quem está doente”, mas como um instrumento de cuidado e cidadania. E é exatamente sobre isso que quero conversar com você hoje.
A cultura do estigma e do tabu.
Por muitos anos e ainda hoje, grande parte das pessoas vê a psicoterapia como algo destinado a quem “não está bem da cabeça”. Essa associação com a loucura, o sofrimento extremo e a doença grave foi construída historicamente a partir da forma como o cuidado em saúde mental foi institucionalizado no Brasil. Mas essa visão é limitada, reducionista e injusta. Ela exclui pessoas que poderiam se beneficiar enormemente do acompanhamento psicológico em diferentes fases da vida: jovens enfrentando crises existenciais, adultos sobrecarregados pelo trabalho, mães exaustas, pessoas em luto ou vivendo relacionamentos difíceis, por exemplo.
Benefícios cientificamente comprovados
A revisão de literatura feita por Cunha (2011) reúne evidências consistentes dos efeitos positivos da psicoterapia na saúde mental:
Esses benefícios foram observados mesmo em pessoas que não apresentavam diagnósticos clínicos, mas que buscavam compreender melhor a si mesmas e seus contextos. A psicoterapia, portanto, é muito mais do que tratamento: é prevenção, promoção de saúde e transformação pessoal.
A realidade do acesso no Brasil
Mesmo com tantas evidências, a psicoterapia ainda não é acessível para todos. No Sistema Único de Saúde (SUS), a quantidade de psicólogos clínicos é muito inferior à demanda real da população brasileira. Em muitas cidades, o número de atendimentos por psicólogo na rede pública é extremamente limitado, e há filas de espera que duram meses. Isso é reflexo de uma política pública que ainda não considera a saúde mental como prioridade e também de um modelo de cuidado historicamente medicalizado. Segundo dados do Conselho Federal de Psicologia (CFP), a maioria dos psicólogos está concentrada nas regiões Sul e Sudeste, e em consultórios privados, o que exclui pessoas em situação de vulnerabilidade, que mais precisam desse cuidado.
Psicólogos como agentes de mudança:
Como psicólogos (ou estudantes, ou pessoas que acreditam no potencial transformador do cuidado psicológico), temos uma responsabilidade: não nos limitarmos à prática clínica individual, mas também atuarmos de forma ética e política. Precisamos lutar por políticas públicas que ampliem o acesso à psicoterapia de qualidade, em unidades de saúde, escolas, comunidades e territórios esquecidos. Psicologia não pode ser privilégio de poucos. Saúde é um direito!
Conclusão:
Desconstruir a psicoterapia é entender que ela não é só para quem “precisa muito” ou “está em crise” ela é uma ferramenta legítima de desenvolvimento humano, autocuidado e transformação social. Todo mundo deveria ter o direito de acessar esse espaço. E, para isso, precisamos falar sobre o tema, informar a população e pressionar por políticas públicas mais justas. Talvez, ao entendermos melhor o que é psicoterapia, a gente também comece a se entender melhor.
Referência:
CUNHA, Juliana Stávale. (Des)construindo a psicoterapia: uma revisão de seus benefícios como modo de ampliação da sua prática. Trabalho de Conclusão de Curso. PUC-SP, 2011. Disponível em: https://tede.pucsp.br/handle/handle/28221